*** Texto e fotos retirados da página São Carlos Agora. Artigo escrito por Cirilo Braga em 20 de Outubro de 2017.
Memória São-Carlense: CBT, um sonho que voou
Era curioso que até recentemente funcionasse um museu da aviação na área onde no passado existiu a Companhia Brasileira de Tratores, a lendária CBT. O próprio nome do museu, "Asas de um Sonho", parecia algo nostálgico para quem viu a vida passar ali por longos anos.
A derrocada da CBT pareceu para os são-carlenses, um voo que não chegou ao seu final. Quando a empresa encerrou suas atividades todos se sentiram - mesmo quem não se ligava à fábrica, como quem esperasse um avião que partiu e não chegou. Nele viajavam os sonhos de Mário Pereira Lopes, ou sua teimosia, e as vidas de milhares de pessoas.
Criada em 1960, inicialmente em Ibaté fabricando motores e peças e dois anos depois instalando sua fábrica no distrito de Água Vermelha, logo a CBT se tornou uma das maiores fabricantes de tratores da América Latina, exportando seus produtos para os Estados Unidos, Japão, México, Austrália e Argentina além da América Central. No galope do plano de nacionalização da indústria na virada para os anos 60, a empresa originária das Indústrias Pereira Lopes, firmou parceria com a Oliver norte americana para produzir um trator nacional.
Cinco anos depois da fabricação do primeiro trator, em 1967 a empresa passaria a ter o comando apenas de Mário Pereira Lopes.
No auge, sendo uma das maiores empregadoras do forte parque fabril são-carlense, a CBT produzia 80% do que precisava para colocar no mercado seus robustos tratores de cor amarela. No céu de brigadeiro do ano de 1975, alcançava outros países e continentes e impressionava o movimento da fábrica, o vai-vem de trabalhadores, transportados em ônibus Fenemê que enfileiravam na Avenida São Carlos no início das manhãs e começo das noites. A imagem identificava a cidade, tal como alguns ícones da paisagem como a cúpula da Catedral e a fachada da Escola "Dr. Álvaro Guião".
Em abril de 1976, a fábrica apresentou uma das joias de sua produção, o CBT-2400, uma máquina incrível de 118,3 hp e motor de 4 cilindros.
Os são-carlenses de então gostavam de dizer que a pista de pouso da CBT - ou o Aeródromo Francisco Pereira Lopes, hoje Aeroporto Mário Pereira Lopes - era uma das maiores do interior e podia receber boeings. Isso obviamente nada tinha a ver com a vida dos cidadãos comuns da cidade. Orgulhava a todos a ideia de que São Carlos abrigava o que nenhuma outra cidade brasileira possuía, uma fábrica de tratores genuinamente brasileira.
Em 1982 a CBT começou a desenvolver um projeto de uma aeronave, que não foi concluído pelo fim do apoio governamental. Entre 1990 e 1994 a CBT fabricou o Javali, o segundo carro totalmente fabricado no Brasil. O Javali utilizava mecânica de trator produzido na própria CBT, mas os tempos eram outros.
No ano de 1995 a Companhia Brasileira de Tratores foi à falência, atribuída ao fim dos incentivos governamentais. Em suas instalações funciona o Centro Tecnológico da empresa aérea LATAM e até pouco tempo o Museu da Aviação, que foi transferido para São Paulo. O museu reunia aviões da coleção particular da família de Rolim Adolfo Amaro, o comandante que instalou a TAM na área da antiga CBT no ano 2000.
No museu, implantado em 2006, era empolgante conhecer o relato de vida de cada aeronave exposta naquele museu, revelando a força da representatividade de cada uma como o testemunho de outras épocas.
Símbolo, lembrança, relíquia, que se use qualquer desses substantivos era também possível também estar falando do prédio da CBT, encravado ali, a 15 quilômetros da cidade. Um lugar onde se produziu tratores que ainda hoje preparam a terra em algum lugar deste país.
Afinal, a vasta área de onde se avista o horizonte a partir da "antiga CBT", conta algo significativo da indústria são-carlense num trecho da vida em que o mundo tinha fronteiras bem definidas. O sonho de ir além delas, mas com as próprias asas, foi para a CBT como o sonho de Ícaro que se desfez ao sol.