O Thomson road steamer no Brasil
O Brasil importou pelo menos cinco ou seis desses veículos, em 1871. Um ou dois em Salvador, dois no Ceará e dois em Belém do Pará. O de Salvador foi o primeiro e a estreia foi registrada no Diário de Notícias, Rio de Janeiro, de 4 de maio de 1871, com o seguinte texto:
“Em diversas ruas da Bahia foi experimentada pela primeira vez uma das locomotivas que teem de puxar os wagons do systema «Thompson road steamer», que pretende introduzir na capital o dr. Francisco Antonio Pereira Rocha. A experiencia parece ter dado resultados satisfactorios.”
O automóvel, importado pelo jurista baiano Francisco Antonio Pereira Rocha, chegou, em Salvador, no final de abril de 1871, no vapor inglês Tycho Brahe, como indicado em reportagem do Correio da Bahia, na época. Veio acompanhado do jovem mecânico escocês George Johnston (1855-1945), que se tornou posteriormente um dos mais importantes engenheiros britânicos, responsável, por exemplo, pelo projeto e construção do Mo-Car, em 1895, o primeiro automóvel com motor de combustão interna, construído na Escócia.
De acordo com as notícias da época e referências posteriores, tudo indica que foi o próprio Rocha que dirigiu o veículo nos primeiros testes nas ruas da Cidade, tornando-se assim, o primeiro motorista do Brasil. Segundo Sacramento Blake (1827-1903), por exemplo, Rocha fez diversas evoluções com sua locomotiva, em 12 de maio de 1871 (o primeiro teste foi cerca de 3 de maio).
A razão da importação do veículo era comercial. O Decreto Imperial N.4588, de 31 de agosto de 1870, concedeu o privilégio, por 15 anos, a Francisco Antonio Pereira Rocha para a introdução, na Província da Bahia, das máquinas de tração, veículos de transporte e arados do sistema de R. W. Thompson's Patent Road Steamers (escreve-se Thomson, sem p). Tratava-se da concessão de um novo sistema de transporte no Brasil. O Thomson road steamer era escocês e estreou, em Paris, no início daquele ano.
O pioneirismo da Bahia é atestado pela Revista Agrícola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, publicada em junho de 1871 (N.8). Os editores da revista vinham acompanhando o desenvolvimento desse tipo de veículo, no exterior, desde 1870, conforme reportagem na edição de abril (N.3) com o título Charruas a Vapor. A mesma revista relata a experiência feita com arados movidos pela máquina Thomson, realizada na Barra, em 11 de junho de 1871, e escreve: "Foi satisfactoria a experiencia. A introducção desse efficaz melhoramento da industria agricola no Brasil é urgentissima" e complementa: "Meio poderoso de substituir os braços na lavoura dos campos, esse melhoramento deve ser aceito na época em que se trata no Brasil de abolir a escravatura nacional". Em carta ao Diário da Bahia, Rocha relata que fez a primeira experiência com o arado em 11 de maio.
É provável que Pereira Rocha tenha conhecido as invenções de Thomson muito antes da aquisição de seu ônibus a vapor. Thomson também patenteou o princípio da pena d'água para a venda de água em chafarizes, em 1849, e apresentou seu invento na Grande Exposição de Londres, de 1851. O Doutor Rocha, como era conhecido, viajou à Europa, em meados dos anos 1850, para a aquisição dos chafarizes do Sistema do Queimado, que também vendia água pelo sistema de penas d'água. Um dos chafarizes adquiridos, o da Praça do Comércio, também foi exibido na mesma Exposição de Londres.
O reverendo J.F.C. Schneider, da Igreja Presbiteriana da Bahia, em seu relatório publicado no The Foreign Missionary of the Presbyterian Church (Nova York, agosto de 1871), relatou que um certo Sur. Rocha foi à Inglaterra para um dos "Thompson's Patent Road Steamers". Testou o veículo com grande sucesso, incluindo a subida de uma ladeira íngreme, com grande facilidade. Schneider observou que o veículo estava destinado ao transporte regular de mercadorias e de passageiros entre um ponto perto do centro da Cidade Alta até uma das extremidades da Cidade. Possivelmente, o Rio Vermelho, pois Manoel Querino (1851-1923) relatou que o veículo fez uma excursão àquele bairro.
O automóvel que chegou, em Salvador, era provavelmente de um modelo igual ou parecido com o que estreou em Edimburgo, com o omnibus New Favorite (ilustração no topo da página). Atende à descrição de Querino, que informou que o veículo possuía uma quinta roda, na frente, exclusivamente destinada à direção do veículo. Note, na primeira ilustração, que o triciclo de tração e o ônibus eram bem integrados e, de certa forma, eram um único veículo, como se o conjunto estivesse sobre o mesmo chassi. Isso era necessário para evitar balanços no ônibus sobre apenas duas rodas.
Através de Querino, que conhecia Rocha, temos interessantes relatos sobre esse veículo, no capítulo O Automobilismo de seu livro A Bahia de Outrora (1916). Querino relatou que o veículo foi popularmente apelidado de "borracha do Rocha" e que fechou-se apostas contra a subida da Ladeira da Conceição da Praia. Mas o veículos subiu a Ladeira e percorreu diversas ruas sem o menor acidente. O carro também participou do desfile de Dois de Julho de 1871, armado em transporte de guerra.
Querino continuou escrevendo que os baianos improvisaram uma quadra, colocando, em desafio, o auto e o elevador hidráulico: Havemos de ver dos dois O que aperta ou afroxa: Do Lacerda o "parafuso", Ou a borracha do Rocha. Sabemos que borracha e parafusos apertam e afrouxam, mas, para entender o desafio, é preciso conhecer o contexto dos transportes urbanos da Cidade, na época.
Desde o século 16, existiram guindastes para transportar cargas entre as partes baixa e alta da Cidade. As pessoas subiam ladeira andando, em montarias ou carregadas em liteiras. Em 1859, o Imperador Dom Pedro II preferiu subir andando a Ladeira da Conceição da Praia, acompanhado da Imperatriz. Salvador foi uma das primeiras cidades do Brasil a dispor de transporte coletivo. Em meados do século 19, circulavam as gôndolas, de tração animal, que depois passaram a circular sobre trilhos e que se tornaram os bondes. No final dos anos 1860, também existiram pequenas locomotivas urbanas que atendiam aos subúrbios e que alguns autores chamam de maxambombas, mas não parece que esse nome foi usado em Salvador.
Em 1870, uma das empresas de transporte urbano pertencia aos irmãos Lacerda, que possuíam linhas na Cidade Baixa e na Cidade Alta. Em 1869, começaram a construir o audacioso Elevador (atual Elevador Lacerda), um sistema de pioneirismo mundial, na época, para ligar as linhas de transporte das partes baixa e alta, concluído em 1873. O automóvel do Rocha podia subir a Ladeira da Conceição da Praia, interligando os dois andares da Cidade. Seria, assim, esse o sentido da quadra referida por Querino.
Na Bahia houve um segundo projeto para um sistema Thomson road steamer previsto para Alagoinhas, conforme indica o Relatório de 17 de outubro de 1871, do 4º vice-presidente da Província da Bahia (presidente interino), Francisco José da Rocha, que faz uma concessão a José Ferreira de Menezes a fim de estabelecer uma ou mais linhas de transporte a vapor, pelo sistema Thomson. O jornal A Reforma, do Rio de Janeiro, de 24 de novembro de 1871, com referência ao Diário da Bahia, escreveu "O Sr. Dr. Francisco Antonio Pereira Rocha destina as machinas Thomson à estrada de Alagoinhas. Na época, Alagoinha já era atendida por uma ferrovia que partia de Salvador e sua construção continuou para Sergipe e Juazeiro. Não se tem notícia de que os Thomson road steamers chegaram lá.
Note o caso do plural "as machinas Thomson" referido pelo Diário da Bahia. Seriam provavelmente duas, pois não se pode assumir um serviço regular de transporte com apenas uma máquina. Também, o texto do Diário de Notícias de 4 de maio de 1871 (mais acima) dá a entender que seriam mais de uma.
Querino informa que o automóvel do Rocha foi levado depois para o Rio Grande do Sul. Rocha, junto com Feliciano Joaquim de Bormann, tinha um contrato com o governo daquela Província para a construção de uma estrada, segundo a lei provincial n. 774 de 4 de maio de 1871. A estrada funcionaria com o sistema Thomson road steamer, ligando a freguesia de Santo Amaro à vila de Santa Maria. Rocha recebeu isenção de impostos para importar equipamentos da Europa. O contrato foi também publicado no Correio da Bahia, de 13 de junho de 1872.
Entretanto, não se tem notícia do que aconteceu com o automóvel do Rocha, depois que ele partiu para o Rio Grande do Sul, mas o advogado baiano estava em Salvador, poucos anos depois, como candidato à Câmara Municipal. Os Thomson road steamers também funcionaram em Belém do Pará. Em setembro de 1871, eles inauguraram um trajeto entre o "Ver-o-peso e o pitoresco arrabalde de S. João", com dois carros com "cento e tantos passageiros", como publicado no jornal O Liberal do Pará, de 26 de setembro de 1871. No dia 28 seguinte, o jornal informava que o sistema funcionava com regularidade.
No Ceará, também funcionaram dois veículos do sistema Thomson, como informou o cônsul dos Estados Unidos, em Pernambuco, em relatório datado de 28 de outubro de 1871, publicado no Commercial Relations of the United States with Foreign Countries, de 1872. Uma notícia do Correio Paulistano, de 5 de setembro de 1871, sobre o Ceará, informou que o Sr. Morgan fez experiência no dia 5 do corrente (agosto) com a machina Thompson aplicada-a ao transporte de pedras para calçamento e obteve um resultado magnífico. A concessão para o sistema Thomson do Ceará foi datada sete dias antes da concessão para a Bahia, pelo Decreto Imperial N.4580, de 24 de agosto de 1870. Foi requerida pelos engenheiros Paulo José de Oliveira e Joaquim Pires Carneiro Monteiro. Essa concessão valia também para as províncias de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. O requerimento data de 14 de maio de 1870 e recebeu parecer favorável de uma comissão do Instituto Polytechnico Brasileiro, do Rio de Janeiro.
Os primeiros projetos para uso do Thomson road steamer, no Brasil, foram feitos provavelmente no primeiro semestre de 1870, incluindo os casos da Bahia e do Ceará. Talvez após a estreia do sistema em Paris, que, na época, era a cidade de maior prestígio no mundo. Outro projeto para uso do sistema Thomson, ou similar, foi feito pelo engenheiro francês José Gaune, para o Maranhão, ligando Caxias a São José das Cajazeiras, como indicado no Diccionario Historico-Geographico da Provincia do Maranhão, de César Augusto Marques, publicado em 1870. O projeto de Gaune chegou a ser aprovado por lei provincial de 14 de julho de 1870.
Em outubro do mesmo ano, o engenheiro inglês Edmund Compton foi contratado para estudar o traçado da estrada para um sistema Thomson road steamer. Mas não se tem notícia de que os road steamers tenham chegado ao Maranhão. Em 29 de agosto de 1872, o jornal A Nação, do Rio de Janeiro, noticiou que B. Caymari e Augusto Fomm receberam o privilégio para empregar as machinas de Thompson na serra de Petrópolis e na montanha da Tijuca.
Nos casos do Maranhão e do Rio Grande do Sul, os documentos e textos da época demonstram que os Thomson road steamers, seriam usados para interligar localidades, como uma opção de baixo custo, em lugar das ferrovias, por falta de recursos. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o vice-presidente da Província recusou uma solicitação do Major João Coelho Barreto para uma linha de comunicação por meio das máquinas Thomson, entre S. Leopoldo e Novo Mundo, alegando o estado financeiro da Província (de acordo com o Relatório do vice-presidente, de 12 de setembro de 1871), embora a linha tivesse sido aprovada pela Lei n. 775 de 24 de maio de 1870.
Referências ao Thomson road steamer, no Brasil, foram encontradas apenas entre 1870, quando surgiram as primeiras licenças e projetos, até 1873. Nenhuma delas atribuiu o nome maxambomba ao veículo.
Este era o Thomson road steamer, na versão ônibus, composto por uma máquina de tração a vapor e o omnibus "New Favorite", para o transporte de passageiros. As cinco rodas eram revestidas de borracha sólida. Este foi o ônibus de Thomson que estreou, em Edimburgo, ligando o centro da cidade ao distrito de Leith, em ilustração publicada no jornal britânico The Graphic, de 11 de junho de 1870. O jornal destacou as rodas de borracha e observou que o veículo podia subir ladeiras íngremes. Eram grandes avanços para a época. O ônibus double-decker tinha capacidade para transportar 64 passageiros: 20 confortavelmente no compartimento de baixo e 44 na parte de cima.
Embaixo, um modelo do Thomson road steamer, com teto no veículo de tração (modelo Chenab), projetado para uso na Índia, em 1870, com a participação do engenheiro inglês Rookes Evelyn Bell Crompton. Usava madeira, como combustível, em lugar de carvão. O primeiro Chenab foi construído, sob licença, em Ipswich, Inglaterra, em maio de 1871.
Embaixo, um modelo do Thomson road steamer, com teto no veículo de tração (modelo Chenab), projetado para uso na Índia, em 1870, com a participação do engenheiro inglês Rookes Evelyn Bell Crompton. Usava madeira, como combustível, em lugar de carvão. O primeiro Chenab foi construído, sob licença, em Ipswich, Inglaterra, em maio de 1871.
O Thomson road steamer para o transporte de carga, com vagões de carvão, em março de 1870.
Não foi esse. Alguns autores indicam esse conjunto, acima, como sendo o veículo do Rocha. Não foi. Querino relatou que o automóvel que chegou em Salvador tinha cinco rodas, uma na frente para direção, mas esse acima tem oito. Note que o veículo de tração é do mesmo modelo fabricado em Thetford, um vilarejo de Norfolk (ilustração anterior acima). O veículo do Rocha era mais compacto, do mesmo modelo ou muito similar ao que estreou em Edimburgo (primeira figura no topo da página). Todo o conjunto do veículo do Rocha estava provavelmente sobre o mesmo chassi, o que era necessário para dar estabilidade ao ônibus sobre apenas duas rodas, não sendo, assim, um reboque, como o da figura acima.
Este é um trecho da Cidade do Salvador, em 1873, ano da inauguração do "Parafuso" (Elevador Lacerda). A Ladeira da Conceição da Praia foi construída, em 1549, por Thomé de Souza, a primeira conexão entre as partes baixa e alta da Cidade planejada pelo decano dos arquitetos do Brasil: Luiz Dias. Alguns anos depois foi construída a Ladeira da Montanha, de inclinação mais suave. Por volta de 3 de maio de 1871, o carro do Rocha tornou-se o primeiro automóvel urbano a rodar com sucesso no Brasil e ele, o primeiro motorista. O carro subiu a Ladeira da Conceição da Praia, fez manobra no Largo do Theatro (atual Praça Castro Alves), subiu a Rua Direita do Palácio (atual Rua Chile) e chegou, com sucesso, na Praça do Palácio (atual Praça Thomé de Souza), a mesma que dá acesso ao Elevador.