*** Texto e fotos retirados da página da Globo Rural, escrito por Eliane Silva em 16/10/2022.
Clássicos do maquinário são conservados e ajudam a manter a memória afetiva de uma produção agrícola que hoje é ditada pela alta tecnologia nas lavouras
Josmail Nunes Fernandez e seus cinco irmãos - produtores de soja e milho em 2.000 hectares, no Paraná, e em 13.200 hectares, em Rondônia - usam no campo uma frota de mais de 70 máquinas agrícolas de alta tecnologia. Mas o xodó da família não tem piloto automático, computador de bordo, ar condicionado, câmeras, pneus gigantes, nem cabine. É um trator MF 50, chamado de Cinquentinha, primeiro modelo fabricado no Brasil pela Massey na década de 60. O trator de 36 cv foi comprado pelo patriarca, Ado Fernandez, em 1974, para o início da atividade agrícola da família no Paraná.
“Meu pai usava o Cinquentinha para tudo: plantar, gradear,
combater pragas. O trator, não vai mais para o campo há uns 20 anos, mas está
perfeitamente conservado e ainda funciona”, afirma Josmail, que guarda o
tesouro na fazenda, em Ubiratã (PR), como uma homenagem ao pai, que morreu há
dois anos.
Apaixonados por esse tipo de máquina, como Josmail, mostram que o apreço por veículos antigos vai muito além dos carros e motos clássicas que se costuma ver em coleções pelo Brasil. Enquanto a tecnologia usada no campo só aumenta, tratores, colheitadeiras e outros equipamentos de décadas atrás são restaurados e preservados, mantendo a história e a memória afetiva de uma agricultura que abriu caminhos para se chegar ao que tem hoje.
Neste mês, Josmail, Adelmo, Arnaldo, Alessandro e Silvana, todos agricultores, decidiram reforçar as lembranças e a homenagem ao pai com a compra de três unidades da série limitada do trator MF 35x, o antecessor do Cinquentinha, que era importado e acaba de ser relançado pela Massey Ferguson, em comemoração aos seus 175 anos de atuação no mundo.
A fábrica, que, atualmente, pertence ao grupo AGCO, colocou
à venda apenas 100 unidades do modelo. A série especial, voltada para
colecionadores, manteve todas as características do trator original, mas
introduziu algumas tecnologias e atualizou o motor para uso em operações no
campo.
Um dos novos MF 35x, que custou R$ 96 mil, já foi entregue na fazenda dos Fernandez, no Paraná. Os outros dois devem chegar em breve. “Vamos mandar um para Rondônia e dois ficam no Paraná para enfeitar a fazenda, relembrando os tempos do meu pai.”
A máquina mais antiga em operação nas fazendas dos irmãos é
uma colheitadeira da John Deere de 2003. A mais nova é um trator comprado no
ano passado com toda a tecnologia disponível no mercado. “Gosto de acompanhar a
evolução tecnológica das máquinas agrícolas. Renovo constantemente a frota para
ter mais eficiência nas fazendas, mas tenho a tendência de não vender as
máquinas antigas”, conta Josmail.
O número 002
Outro apaixonado pelos tratores do passado é o produtor agrícola Osmair Donizete Guareschi. Ele produz soja, cana, algodão e milho em 15.600 hectares de fazendas arrendadas no interior paulista, e cria gado de corte em 2.800 hectares de terras próprias em Iturama (MG).
Empresário, ele é dono de uma revenda Valtra em São José do Rio Preto (SP). E mantém como atração em sua loja um trator Valmet 33, de 50 cavalos, de 1959. Osmair conta que o trator importado da Finlândia por seu pai, Orlando, foi a segunda unidade da marca a chegar ao Brasil.
“O trator tem o número 002 e marcou a entrada da Valtra, antiga Valmet, no Brasil. Meu pai usou por 15 anos para fazer tudo na pequena roça que a gente tinha, em Potirendaba (SP), e ainda emprestava para os vizinhos. Em dias de missa, o tratorzinho seguia para a cidade levando até 30 pessoas. Tem um valor sentimental muito grande para mim e meu irmão, Nivaldo, porque lembra a infância e meus pais. Não troco nem por uma Dodge Ram zero”, diz, se referindo à camionete que custa cerca de R$ 450 mil.
Osmair começou a trabalhar desde cedo com o pai. Estudou só até a quarta série em escola rural. Ele conta que a família perdeu a lavoura de café pela geada em 1975 e teve que se mudar para a cidade de São José do Rio Preto (SP). Nessa época, o trator foi vendido para um vizinho.
No município do interiro paulista, Osmair trabalhou em uma fábrica de móveis e como servente de pedreiro, antes de ser contratado pela revenda da Valtra e fazer carreira. Comprou, então, sua primeira fazenda, abriu uma revenda de máquinas agrícolas, tornou-se concessionário e fez questão de recomprar o tratorzinho que era do pai para expor na loja.
“Namorei o trator por um ano e só consegui comprá-lo de volta em 1997, porque o dono desistiu da agricultura. O dia que fechei a compra foi um dos mais felizes da minha vida. Ele não só ajudou a gente na propriedade, mas gerou uma fidelização dos clientes na revenda.”
O Valmet 33, com motor totalmente original, foi o destaque em uma caravana de tratores realizada entre 8 e 11, no Vale do Paraíba (SP). O trator, no entanto, não é o único da coleção exposto na revenda. O agricultor-empresário mantém também um MF 35x de 1960, o mesmo modelo que está sendo relançado pela Massey, e um Fendt de 1955.
“Gosto de mostrar para os jovens como se deu a evolução das máquinas agrícolas no Brasil para que imaginem como serão os equipamentos daqui 50 anos. Muitas crianças vêm à loja ver as grandes máquinas de hoje com muita tecnologia embarcada, mas algumas se encantam mesmo é com o pequenino trator”, conta.
Nas fazendas, os Guareschi têm 85 máquinas em operação,
entre tratores, colheitadeiras, pulverizadores e pás-carregadeiras de várias
marcas. “Acompanhamos as novas tecnologias e renovamos a frota a cada cinco
anos. O ideal é trocar quando a máquina atinge 12 mil a 15 mil horas de
trabalho porque assim não desvaloriza muito e nem demanda manutenção”,
recomenda.
Peças de Museu
Bisneta do conde Francesco Matarazzo, Patrícia Matarazzo, produtora de cana e laranja em Bebedouro (SP), disputa com a Prefeitura na Justiça 14 tratores de mais de 80 anos que pertenciam ao seu pai. Eduardo André Matarazzo foi um dos precursores do antigomobilismo no Brasil. Comprava os veículos e mandava restaurar.
As máquinas fazem parte da coleção de 239 itens do Museu de Armas, Veículos e Máquinas Eduardo André Matarazzo, instalado no centro de Bebedouro. Mas ela quer recuperar a posse para expô-las no museu de antiguidades que mantém na centenária fazenda da família, de 533 hectares.
A fazenda de Patrícia foi a primeira do país a conquistar o certificado internacional SAI (Iniciativa de Agricultura Sustentável) para a produção de cana. Atualmente tem em operação um Cinquentinha e vários tratores com mais de 20 anos, além de um caminhão militar da década de 40 da marca GMC que é usado para transportar cargas.
“Não invisto muito em máquinas novas porque são muito caras, nem costumo vender as antigas. Prefiro reformar meus tratores e comprar novos implementos e drones”, diz a produtora.
Herança do avô
A paixão pelas máquinas antigas e raras não se restringe a
grandes produtores. Luís Sérgio Celeste Jorge, produtor de soja e cana em 200
hectares, em Aramina (SP), guarda o MF 50, ano 63. O Cinquentinha foi comprado
zero pelo avô, o libanês Sarquis Jorge, agricultor pioneiro da família que
chegou ao Brasil com 8 anos.
Há cinco anos, para presentear o pai, Luís mandou fazer uma nova reforma que custou cerca de R$ 13 mil para expor o trator como relíquia da família. “Esse tratorzinho tem uma fama muito boa. Era muito versátil, econômico e de fácil manuseio. De vez em quando, a gente dá uma volta com ele ou leva para exposição de máquinas antigas.”
Para o trabalho atual na lavoura e para prestar serviço a terceiros, Luís usa máquinas maiores e mais modernas, mas sem piloto automático e com pouca tecnologia embarcada. São 11 tratores, duas colhedoras de cana e uma de soja. Neste ano, comprou outro trator zero.
A colheitadeira de mais de 30 anos
Ivanor tem um trator mais novo, mas sua paixão é um trator com rodas de ferro de grande diâmetro e pequena espessura lançado por uma empresa catarinense, a Brasélio, em 1977, para que os produtores pudessem trabalhar nas lavouras de arroz sem precisar descer da máquina.
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