terça-feira, 8 de novembro de 2022

Agricultores preservam tratores antigos e a história no campo!

 *** Texto e fotos retirados da página da Globo Rural, escrito por Eliane Silva em 16/10/2022.

Clássicos do maquinário são conservados e ajudam a manter a memória afetiva de uma produção agrícola que hoje é ditada pela alta tecnologia nas lavouras 

MF 50x, conhecido como Cinquentinha, um dos clássicos preservados em fazendas do Brasil. Arquivo Pessoal.

Josmail Nunes Fernandez e seus cinco irmãos - produtores de soja e milho em 2.000 hectares, no Paraná, e em 13.200 hectares, em Rondônia - usam no campo uma frota de mais de 70 máquinas agrícolas de alta tecnologia. Mas o xodó da família não tem piloto automático, computador de bordo, ar condicionado, câmeras, pneus gigantes, nem cabine. É um trator MF 50, chamado de Cinquentinha, primeiro modelo fabricado no Brasil pela Massey na década de 60. O trator de 36 cv foi comprado pelo patriarca, Ado Fernandez, em 1974, para o início da atividade agrícola da família no Paraná. 

“Meu pai usava o Cinquentinha para tudo: plantar, gradear, combater pragas. O trator, não vai mais para o campo há uns 20 anos, mas está perfeitamente conservado e ainda funciona”, afirma Josmail, que guarda o tesouro na fazenda, em Ubiratã (PR), como uma homenagem ao pai, que morreu há dois anos.  

Apaixonados por esse tipo de máquina, como Josmail, mostram que o apreço por veículos antigos vai muito além dos carros e motos clássicas que se costuma ver em coleções pelo Brasil. Enquanto a tecnologia usada no campo só aumenta, tratores, colheitadeiras e outros equipamentos de décadas atrás são restaurados e preservados, mantendo a história e a memória afetiva de uma agricultura que abriu caminhos para se chegar ao que tem hoje. 

Neste mês, Josmail, Adelmo, Arnaldo, Alessandro e Silvana, todos agricultores, decidiram reforçar as lembranças e a homenagem ao pai com a compra de três unidades da série limitada do trator MF 35x, o antecessor do Cinquentinha, que era importado e acaba de ser relançado pela Massey Ferguson, em comemoração aos seus 175 anos de atuação no mundo. 

A fábrica, que, atualmente, pertence ao grupo AGCO, colocou à venda apenas 100 unidades do modelo. A série especial, voltada para colecionadores, manteve todas as características do trator original, mas introduziu algumas tecnologias e atualizou o motor para uso em operações no campo.

O produtor Josmail Fernandez com o trator série especial MF 35x, relançada neste ano pela Massey — Foto: Arquivo Pessoal

Um dos novos MF 35x, que custou R$ 96 mil, já foi entregue na fazenda dos Fernandez, no Paraná. Os outros dois devem chegar em breve. “Vamos mandar um para Rondônia e dois ficam no Paraná para enfeitar a fazenda, relembrando os tempos do meu pai.” 

A máquina mais antiga em operação nas fazendas dos irmãos é uma colheitadeira da John Deere de 2003. A mais nova é um trator comprado no ano passado com toda a tecnologia disponível no mercado. “Gosto de acompanhar a evolução tecnológica das máquinas agrícolas. Renovo constantemente a frota para ter mais eficiência nas fazendas, mas tenho a tendência de não vender as máquinas antigas”, conta Josmail.


O número 002

Outro apaixonado pelos tratores do passado é o produtor agrícola Osmair Donizete Guareschi. Ele produz soja, cana, algodão e milho em 15.600 hectares de fazendas arrendadas no interior paulista, e cria gado de corte em 2.800 hectares de terras próprias em Iturama (MG). 

Osmair Donizete Guareschi e seu Valmet33 Diesel. "Não troco nem por uma Dodge Ram zero" — Foto: Arquivo Pessoal

Empresário, ele é dono de uma revenda Valtra em São José do Rio Preto (SP). E mantém como atração em sua loja um trator Valmet 33, de 50 cavalos, de 1959. Osmair conta que o trator importado da Finlândia por seu pai, Orlando, foi a segunda unidade da marca a chegar ao Brasil. 

“O trator tem o número 002 e marcou a entrada da Valtra, antiga Valmet, no Brasil. Meu pai usou por 15 anos para fazer tudo na pequena roça que a gente tinha, em Potirendaba (SP), e ainda emprestava para os vizinhos. Em dias de missa, o tratorzinho seguia para a cidade levando até 30 pessoas. Tem um valor sentimental muito grande para mim e meu irmão, Nivaldo, porque lembra a infância e meus pais. Não troco nem por uma Dodge Ram zero”, diz, se referindo à camionete que custa cerca de R$ 450 mil. 

Osmair começou a trabalhar desde cedo com o pai. Estudou só até a quarta série em escola rural. Ele conta que a família perdeu a lavoura de café pela geada em 1975 e teve que se mudar para a cidade de São José do Rio Preto (SP). Nessa época, o trator foi vendido para um vizinho. 

No município do interiro paulista, Osmair trabalhou em uma fábrica de móveis e como servente de pedreiro, antes de ser contratado pela revenda da Valtra e fazer carreira. Comprou, então, sua primeira fazenda, abriu uma revenda de máquinas agrícolas, tornou-se concessionário e fez questão de recomprar o tratorzinho que era do pai para expor na loja. 

“Namorei o trator por um ano e só consegui comprá-lo de volta em 1997, porque o dono desistiu da agricultura. O dia que fechei a compra foi um dos mais felizes da minha vida. Ele não só ajudou a gente na propriedade, mas gerou uma fidelização dos clientes na revenda.”

O Valmet 33, com motor totalmente original, foi o destaque em uma caravana de tratores realizada entre 8 e 11, no Vale do Paraíba (SP). O trator, no entanto, não é o único da coleção exposto na revenda. O agricultor-empresário mantém também um MF 35x de 1960, o mesmo modelo que está sendo relançado pela Massey, e um Fendt de 1955. 

“Gosto de mostrar para os jovens como se deu a evolução das máquinas agrícolas no Brasil para que imaginem como serão os equipamentos daqui 50 anos. Muitas crianças vêm à loja ver as grandes máquinas de hoje com muita tecnologia embarcada, mas algumas se encantam mesmo é com o pequenino trator”, conta. 

Nas fazendas, os Guareschi têm 85 máquinas em operação, entre tratores, colheitadeiras, pulverizadores e pás-carregadeiras de várias marcas. “Acompanhamos as novas tecnologias e renovamos a frota a cada cinco anos. O ideal é trocar quando a máquina atinge 12 mil a 15 mil horas de trabalho porque assim não desvaloriza muito e nem demanda manutenção”, recomenda.


Peças de Museu

Bisneta do conde Francesco Matarazzo, Patrícia Matarazzo, produtora de cana e laranja em Bebedouro (SP), disputa com a Prefeitura na Justiça 14 tratores de mais de 80 anos que pertenciam ao seu pai. Eduardo André Matarazzo foi um dos precursores do antigomobilismo no Brasil. Comprava os veículos e mandava restaurar. 

As máquinas fazem parte da coleção de 239 itens do Museu de Armas, Veículos e Máquinas Eduardo André Matarazzo, instalado no centro de Bebedouro. Mas ela quer recuperar a posse para expô-las no museu de antiguidades que mantém na centenária fazenda da família, de 533 hectares. 

A fazenda de Patrícia foi a primeira do país a conquistar o certificado internacional SAI (Iniciativa de Agricultura Sustentável) para a produção de cana. Atualmente tem em operação um Cinquentinha e vários tratores com mais de 20 anos, além de um caminhão militar da década de 40 da marca GMC que é usado para transportar cargas. 

Caminhão militar da década de 40 ainda usado na fazenda de Patrícia Matarazzo — Foto: Arquivo Pessoal

“Não invisto muito em máquinas novas porque são muito caras, nem costumo vender as antigas. Prefiro reformar meus tratores e comprar novos implementos e drones”, diz a produtora. 


Herança do avô

A paixão pelas máquinas antigas e raras não se restringe a grandes produtores. Luís Sérgio Celeste Jorge, produtor de soja e cana em 200 hectares, em Aramina (SP), guarda o MF 50, ano 63. O Cinquentinha foi comprado zero pelo avô, o libanês Sarquis Jorge, agricultor pioneiro da família que chegou ao Brasil com 8 anos.

 “Ele usava o trator na lida com o gado leiteiro. Quando morreu em 1997, meu pai (Sarquis Jorge Filho) fez questão de ficar com ele na partilha dos bens com os irmãos. Reformou o trator e usou ele para os serviços pequenos na fazenda.”

Há cinco anos, para presentear o pai, Luís mandou fazer uma nova reforma que custou cerca de R$ 13 mil para expor o trator como relíquia da família. “Esse tratorzinho tem uma fama muito boa. Era muito versátil, econômico e de fácil manuseio. De vez em quando, a gente dá uma volta com ele ou leva para exposição de máquinas antigas.” 

Para o trabalho atual na lavoura e para prestar serviço a terceiros, Luís usa máquinas maiores e mais modernas, mas sem piloto automático e com pouca tecnologia embarcada. São 11 tratores, duas colhedoras de cana e uma de soja. Neste ano, comprou outro trator zero.


A colheitadeira de mais de 30 anos

Ivanor Marcon ainda usa uma colheitadeira de 30 anos atrás para a prodição de arroz, milho e soja, em Turvo (SC) — Foto: Arquivo Pessoal

A máquina antiga de Ivanor Marcon, produtor de arroz, milho e soja em 42 hectares em Turvo (SC), é uma colheitadeira New Holland de mais de 30 anos. “Tá novinha, funciona direitinho, é revisada todos os anos e tem manutenção fácil”, diz o agricultor, acrescentando que comprar uma nova seria muito caro.

Ivanor tem um trator mais novo, mas sua paixão é um trator com rodas de ferro de grande diâmetro e pequena espessura lançado por uma empresa catarinense, a Brasélio, em 1977, para que os produtores pudessem trabalhar nas lavouras de arroz sem precisar descer da máquina.

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