terça-feira, 26 de novembro de 2019

Histórias: Os Locomóveis em Selbach - RS

Os Locomóveis em Selbach
Oficina de Benedicto Haunss, na Rua 15 de Novembro.

* Relato de Inácio Haunss – UM FIAPO DE HISTÓRIA. Esta era a primeira oficina mecânica, ferraria e fundição de ferro em Selbach, de Benedickto Haunss. Não sei precisar a data certa desta foto, mas deve ser entre os anos de 1930 a 1940. O mais curioso é que esta residência antes de ser propriedade do meu avô, era a primeira capela católica de Selbach. O lado Sul era a própria capela e o lado Norte o alojamento dos padres que vinham a cavalo de Não-Me-Toque - RS. O local situa-se na esquina das ruas XV de Novembro e a Machado de Assis, aqui em Selbach.

Comboio indo a Cruz Alta, na imagem em que Frederico Schneider aparece com o seu locomóvel Lanz ao fundo, aparentando estar sendo puxada por cavalos. A estrada velha é o trecho que liga Selbach a Arroio Grande pela estrada de terra batida, que até 1979, fazia parte da RS 223. Em 1979 o traçado da rodovia foi mudado para não cruzar as zonas urbanas de Tapera, Selbach e Ibirubá. Nos mapas, antes de 1979, era pela Avenida 25 de Julho e pela estrada de terra que liga Selbach a Arroio Grande, que a rodovia RS 223 cruzava.

- Em 2010 eu me deparei com uma foto em um calendário que mostrava Frederico Schneider levando mercadorias para Cruz Alta com varias carroças por volta dos anos 1930, na estrada velha que hoje liga Selbach a Arroio Grande. Ao fundo percebi uma maquina estranha que parecia uma locomotiva. 

- Como não consegui identificar pedi ajuda para um especialista britânico David Collidge que administra o site Steam Scene especializado em maquinas a vapor. Ele identificou como sendo um locomóvel Lanz fabricado na Alemanha. Primeiramente vou explicar o que é um locomóvel: trata-se de um motor a vapor que pode servir como motor estacionário ou, com algumas adaptações até uma maquina de tração, tipo um trator. Os primeiros locomóveis vieram para o Brasil na região de Campinas - SP, onde o cultivo do café dependia de máquinas modernas. 

- Na segunda metade do Século XIX, o imigrante escocês William MacHardy, constituiria uma grande fundição importando maquinas britânicas fabricadas pela Clayton & Shuttleworth no interior de São Paulo. No Rio Grande do Sul o maior importador eram as Casas Bromberg de Porto Alegre com filial também em Passo Fundo que importavam os locomóveis alemães Lanz. 

- Sobre a Lanz, esta empresa foi fundada em 1859 por Heinrich Lanz na cidade de Mannheim, Alemanha. Em 1921 começou a produzir tratores a Diesel sendo o Lanz Bulldog o mais popular, até ser adquirida pela John Deere em 1956.

- Sobre o locomóvel de Frederico Schneider não há quase nenhuma informação. Por ser um Lanz, provavelmente foi adquirido em Passo Fundo na filial da Bromberg. O fato de ser uma máquina alemã pode não ter a ver com a emigração, pois simplesmente era o locomóvel mais fácil de se adquirir, a não ser é claro que ele tenha vindo com a família da Europa. O locomóvel, na época, era uma máquina muito versátil, poderia tocar uma bomba de água, uma trilhadeira, uma serraria, um gerador elétrico, um moinho ou tudo isso ao mesmo tempo, pois possuía um torque violento apesar da baixa velocidade.

- Uma foto tirada pelo senhor Fridolino Haunss mostra a antiga oficina do pai, Benedicto por volta de 1930, com partes de um locomóvel desmontado. Vê-se as rodas e o interior da caldeira. Não podemos afirmar que seja a mesma maquina, mas sim elas eram muito comuns até a Segunda Guerra Mundial. Com a abundância de lenha, por conta da mata nativa, manter um locomóvel era relativamente fácil e a oficina do senhor Benedicto oferecia toda a assistência técnica.

- Para esclarecer, locomóvel não é o mesmo que locomotiva, já que não anda sobre trilhos e não traciona vagões. São maquinas parecidas com funções diferentes. Com a chegada dos tratores a gasolina e da energia elétrica depois da Segunda Guerra Mundial os locomóveis foram desmontados e vendidos a fundições para serem derretidos, poucos restaram. Mas as fotos podem nos lembrar bem da era dos locomóveis.

 Página de uma antiga publicação publicitária de 1913, ali aparece a casa Bromberg, a fachada acima, no meio a direita o setor de utilidades domésticas e material elétrico e abaixo o setor de máquinas e ferramentas. Era um grande importador, com várias filiais no estado.

Acima, foto da oficina Haunss, do Jornal Correio do Povo, com anuncio dos locomóveis Lanz, fotos da casa Bromberg em que se vê alguns locomóveis a venda em 1913. 

- Texto e fotos retirados da página www.selbachprincesadoaltojacui.com.br, com algumas adaptações.

- Texto de autoria de Jorge Rogélson da Silva, e fotos de seu arquivo pessoal.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Restaurações: Oliver Super 99 - 1957


- A história da reforma deste trator se mistura um pouco aqui com o próprio blog e um pouco de aventura, acontecimentos, amizades e muito empenho para que o Oliver voltasse a roncar!

OLIVER SUPER 99 

- O amigo e leitor do blog Renan Pencinato havia me enviado fotos de um trator Oliver que era herança de sua família.  Na época eu conhecia pouco sobre os Oliver, mas vi que o trator era praticamente um CBT, na verdade, esse era o pai dos nossos tratores CBT! 


- Quase que na mesma época o amigo Adrianus Vosters já estava na direção do museu Ascomar em Maracaju, e procurava um CBT para o acervo. Eles já tinham no museu o ícone brasileiro o modelo 1105, mas mesmo assim ele procurava um CBT 2400 com motor Detroit americano. Eu já conhecia o pessoal da Ascomar, mas foi nessa época que tivemos um contato mais próximo, pois foi quando encontrei e comprei meu trator CBT 2400.

- Foi então que o Adrianus me procurou e contou que queria um trator desses com motor Detroit. Eu disse a ele que iria comprar o CBT, mas sabia de um outro, um mais puro sangue ainda! E contei sobre o Oliver Super 99 que haviam me oferecido, mas que estava no Rio de Janeiro!

- Após colocar comprador e vendedor em contato, foram questão de horas apenas para o negócio ser fechado. E coincidentemente quando estive pessoalmente em Maracaju conhecendo o museu Ascomar, o caminhão do Adrianus estava no Rio de Janeiro pra trazer o Oliver para o Mato Grosso do Sul.


- Quando o Oliver chegou em Maracaju, a surpresa maior chegou junto. Por telefone o Adrianus já sabia que o Oliver era único dono, porém não imaginava que o trator tivesse apenas 4.250 horas trabalhadas, e ele fosse receber junto com o trator uma nota fiscal datada de 1958, referente a primeira revisão do Super 99 !


- Esses detalhes fizeram com que o Adrianus optasse por uma restauração caprichada e nos mínimos detalhes. Tanto que muitas peças faróis, relógios, foram compradas novas em lojas especializadas nos Estados Unidos, sem contar o motor que por ter poucas horas não precisou ser retificado, porém recebeu uma revisão completa em seus componentes como: juntas novas, retentores, revisão nos bicos e injetora. Toda a parte elétrica e chicote foi importada nova dos EUA. Todo o restante foi muito trabalho com capricho em toda parte de funilaria e pintura. O trator foi completamente desmontado para receber uma pintura de alta qualidade.




- Os pneus traseiros foram mantidos os originais por estarem em bom estado e terem um desenho raro de se ver hoje em dia. Todas as partes do trator foram mantidas 100% originais, recebendo apenas pintura e peças de reposição novas. O motor GM Detroit Diesel de três cilindros e 99 cavalos de potência esbanja saúde e ronca como novo!

- Após o término da restauração o Adrianus já levou o Oliver para diversos encontros de carros antigos na região de Maracaju - MS, além de ter exposto o trator no próprio museu Ascomar em ocasiões de festas em Maracaju e também o levou em edições do Traktor Feste de Entre Rios - PR.



- Nesta última foto o CBT 1105 e o Oliver Super 99 em frente ao prédio do museu ASCOMAR de máquinas agrícolas antigas em Maracaju - MS.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Fotos Antigas: Fordson Major pá carregadeira

- Três belas fotos registrando o trator inglês Fordson Major com uma pá carregadeira "loader" que pertencia a Prefeitura Municipal de Mairinque - SP. Interessante a primeira imagem abaixo onde o trator devia ser praticamente novo, recém adquirido.


- Nestas outras duas fotos o Major já havia sofrido adaptações nas rodas dianteiras (as originais para uso agrícola não aguentavam o peso da pá cheia de terra e de todo conjunto), além de receber uma capota toldo para o tratorista e a inscrição P.M.M - Prefeitura Municipal de Mayrink.



- Todas essas imagens retirei da página Antiguidades Mayrink no Facebook. Nesta última foto de um desfile na cidade, aparece uma criança com um trator de pedal, hoje tão valorizado por colecionadores!


sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Fotos Antigas: David Brown em Tucunduva - RS


- Raro registro de um trator David Brown, provavelmente da década de 50 e com motor a gasolina, desfilando junto aos Valmet "vermelhos". 

- O trator pode ser um modelo 30D ou Cropmaster e os Valmet eram modelo 80id. A foto registra o desfile do Dia do Colono e Motoristas no município gaúcho de Tucunduva, lá na década de 70. 

- Na outra foto, talvez o mesmo trator DB em outro momento. As imagens retirei da página do Facebook - Tucunduva, Nossa História.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Fotos Antigas: Deutz DM 55 Canavieiro


- Interessante registro, já colorido, de um trator nacional Deutz, modelo DM 55 - C, enviado gentilmente pelo amigo e leitor do blog Rodolfo Podsiadlo.

- Montados pela empresa Motocana de Piracicaba-SP especificamente para o cultivo da cana de açúcar, eram tratores com vão livre do solo de quase um metro. Esta foto foi durante a exposição agrícola da Esalq em 1965.

- Lembrando que este tipo de trator já apareceu no blog nesta postagem: Trator Deutz DM 55.

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Histórias: A caminhoneira de Não-Me-Toque - RS



- A senhora Nahyra Schwanke, de 86 anos, é considerada a mais antiga motorista de caminhão do Brasil. Na foto acima, ela ao volante do trator Hanomag junto a sua família.


- Um longo suspiro abafou o medo que se instalava em Nahyra Schwanke, então com 28 anos, ao segurar pela primeira vez o volante de um F-600. Sob os olhares desconfiados do proprietário da concessionária, que acabara de vender o caminhão a ela, e do funcionário destacado para acompanhá-la até a rodovia mais próxima, Nahyra demonstrou a mesma determinação com a qual dirigia o trator da família e as caminhonetes dos amigos agricultores no interior de Não-Me-Toque, no norte do Estado.

- Era março de 1959, como ela recorda. Ao lado da filha Saleti, nove anos, que havia escolhido o veículo na cor marfim, Nahyra estava prestes a iniciar o percurso de 200 quilômetros entre a sede da loja, em Encantado, no Vale do Taquari, e a casa dos pais. O roncar do motor servia de trilha sonora para o começo de uma nova vida: a partir daquele momento, a gaúcha nunca mais tiraria os olhos azuis da estrada.

- O caminho não tinha asfalto, era de terra e estreito. Fui devagarzinho e, em silêncio, limpando as lágrimas de medo e emoção. Andamos naquela estrada de terra e curvas. Era preciso chegar bem. E chegamos – lembra Nahyra.

- A única herdeira de um dono de salão de baile e de uma pequena comerciante apaixonou-se pela direção ainda na infância, quando o pai construiu um arado menor especialmente para ela trabalhar na roça. Aos 15, já conduzindo carroças, a jovem Nahyra casou-se. Foi mãe aos 20. No ano seguinte, separou-se. Com apoio da família, criou Saleti sozinha e enfrentou os olhares tortos de quem duvidava de sua força. Sem titubear, assumiu ao lado do pai, Rodolfo, as entregas de manteiga, ovos, galinhas e açúcar. Iam de carroça até Carazinho. Quando comprou o caminhão em vez da caminhonete que os pais haviam pedido, Nahyra não imaginava que um dia seria considerada a mais experiente caminhoneira do Brasil. Às vésperas de completar 60 anos como motorista profissional, ela ainda conduz caminhões com a mesma paixão que a levou a optar pelo veículo na loja de Encantado.

- Comecei por necessidade mesmo. Tinha que me virar porque era acostumada na roça. Meus pais sabiam que eu aceitei aquele serviço pela minha filha. Mas, em pouco tempo, me apaixonei pelo meu trabalho – conta.

- A carteira de motorista profissional, confeccionada dois meses depois de adquirir o veículo, é guardada por Nahyra como relíquia, uma espécie de diploma da caminhoneira. Nos primeiros meses com o F-600, ela circulou apenas na rota Não-Me-Toque/Carazinho/Passo Fundo, fazendo o transporte dos mantimentos vendidos pela família. As viagens mais longas tiveram início menos de um ano depois, quando passou a enfrentar sozinha a BR-386 até Porto Alegre:

- A perninha tremia de medo e cuidado. Nem sabia o que era asfalto. Os outros caminhoneiros diziam que tudo, um dia, seria como uma calçada. Comecei levando cargas de milho e de trigo até Porto Alegre. Fui aumentando os fretes para cá e para lá, até começar a sair do Estado.

- Como não podia ficar mais tempo com Saleti, Nahyra, em acordo com os pais, optou por colocar a filha num colégio interno particular, em Carazinho, comprometendo-se a custear os estudos com mais trabalho. Na tentativa de aumentar a própria renda, ela ampliou a distância das viagens.

- Quando achava que estava perdida na estrada, chorava muito porque estava só. Me acalmava olhando o mapa e pensava na importância daquele dinheiro para formar minha filha – recorda Nahyra, que estudou até o 3º ano do Ensino Fundamental.

- Na estreia rumo a Santa Catarina, ao Paraná e a São Paulo, um problema foi contornado com o ajuda do delegado da cidade. Como faltavam semanas para renovar o emplacamento do caminhão, a delegacia expediu uma carta de recomendação avisando às autoridades que o veículo de Nahyra teria o emplacamento renovado no retorno a Não-Me-Toque. Detalhe: na carta, o delegado informou que ela era viúva, porque ser desquitada poderia lhe causar ainda mais dor de cabeça entre os colegas de profissão.

- Enfrentei de tudo na estrada. A maioria dos caminhoneiros só se aproximava para saber coisas do caminhão. Mas havia outros que eram bobalhões. Perguntavam se eu queria um marido. Respondia dizendo que o meu casamento era este aqui (aponta para o caminhão estacionado em frente à casa da família) – diz Nahyra.

- Dona de uma memória sempre fresca, a caminhoneira lembra aos risos o período em que dirigiu um FeNeMê de marcha cruzada – como ela o identifica –, cuja cabine era tão quente que fazia o calor subir pelas costas. A marcha do veículo só engrenava no tempo exato de giro do motor. Por exigir força nas alavancas principal e de seleção, Nahyra era obrigada, na maior parte das vezes, a usar as duas mãos para as trocas simultâneas.

- Os braços acabavam se cruzando. Para carregar 12 toneladas, descia a Serra em segunda marcha, sem deixar embalar para não esquentar o veículo:

- Se pisasse duas vezes, olhava pelo retrovisor e via a fumaceira. Sempre andei devagar, mas com ele circulava quase parando. Se viesse um motorista apressado, dava um jeito de abrir e deixar passar. Talvez, por isso, nunca tenha batido e nunca ninguém bateu no meu caminhão.

- Mais confiante na direção, Nahyra passou a aceitar cargas vivas. Porcos, por exemplo, eram levados de Santa Rosa até São Paulo.

- Para não perder nenhum animal ao longo da viagem de mais 1,2 mil quilômetros, a caminhoneira fazia apenas uma parada em Lages (SC), onde aproveitava para banhar os bichos e descansar algumas horas, antes de seguir.

- Dormir, inclusive, tornou-se momento de luxo para ela. Ao longo de quase seis décadas, jamais ficou em hotéis na beira da estrada para economizar todos os centavos que podia.

- O sono era dentro da cabine. Por passar tanto tempo distante, fez casa no caminhão. Ostentava flores no painel e no vidro dianteiro e recheava as paredes com quadros religiosos. Devota de Nossa Senhora Aparecida, ela mandou construir na década de 1970 uma gruta em homenagem à santa nas margens da RS-422, na localidade de Vila Deodoro, em Venâncio Aires, como forma de agradecimento por jamais ter sofrido um acidente na rota considerada uma das mais perigosas entre as décadas de 1960 e 1970. Até hoje, a obra é cuidada pela própria comunidade – que reconhece Nahyra como a fundadora da gruta.

- Turista na casa da família em Não-Me-Toque, ela passava até cinco meses transportando cargas de cerveja entre São Paulo e as capitais nordestinas. Nesses longos períodos, se comunicava por cartas com a família. Apesar de percorrer todo o litoral brasileiro, a caminhoneira nunca colocou os pés no mar enquanto trabalhava. Não tinha tempo e, principalmente, temia ser julgada por estar sozinha.

- Quando voltava para rever a filha, se preparava psicologicamente para não demonstrar sinais de tristeza ou cansaço. Na frente de Saleti, mantinha o rosto firme enquanto a menina chorava pedindo para ficar com a mãe. Nahyra desabava em lágrimas depois de entrar no caminhão e seguir rumo a mais uma viagem. Saleti só viajava com a mãe nas férias escolares.

- A saudade era grande, mas a estrada me ensinou tudo e me abriu os olhos. Aprendi até a passar fome ao volante. Fiz muito amigos e tenho alguns até hoje. Quando não tinha dinheiro para o óleo, os postos me faziam fiado e, na volta, sempre pagava. Ganhei a confiança de todos por ser honesta – afirma, orgulhosa.

- Minha mãe estava à frente de seu tempo e é o meu maior exemplo. Ela sofreu muito, mas jamais se entregou. Se hoje tenho uma profissão, devo a ela – diz a hoje advogada Saleti, emocionada.

- De tanto rodar pelas estradas do Brasil, Nahyra tornou-se conhecida em boa parte do mundo. Foi homenageada pelas maiores fabricantes mundiais de caminhões, tornou-se tema de reportagem em jornais e canais de TV da Alemanha, França, Espanha, Noruega e foi entrevistada por Jô Soares, no final da década de 1990. Até os organizadores do Guinness Book procuraram a família para confirmar Nahyra como a caminhoneira mais velha em atividade no mundo. O recorde não teria sido reconhecido porque a equipe do Guinness não veio ao Brasil. Na cidade ou no Estado onde Nahyra nasceu, porém, ela jamais recebeu qualquer tipo de homenagem ou reconhecimento.

- Há dois anos, uma úlcera na perna direita de Nahyra distanciou a caminhoneira do volante. Mesmo com a ferida ainda aberta, ela realizou uma viagem até Rio Grande em 2015, acompanhada de outro caminhoneiro. Desde então, foi obrigada pelos médicos a abandonar longas distâncias. Ao sentir-se triste, pede para dirigir o caminhão extrapesado Mercedes-Benz Axor 2536, comprado há três anos para transportar uma carreta de três eixos. Volta e meia, quando a perna não está inchada, ela pega a carreta e dá umas voltas nas vias da cidade de 15 mil habitantes e na RS-142, só para matar a saudade da profissão. Temendo perder a carteira de habilitação, no momento mais crítico da úlcera, Nahyra negou-se a assinar a própria aposentadoria por invalidez. Tinha a certeza de que voltaria a viajar.

- Na semana passada, a convite da reportagem, voltou ao volante. Até o semblante de quem se recupera de uma longa jornada médica desapareceu, dando lugar ao olhar focado da estradeira. Em poucos minutos, abriu um largo sorriso de satisfação e seguiu pela rodovia, como se jamais tivesse parado de andar no veículo automático, que traz na placa o ano do nascimento da caminhoneira.

- Isso aqui é a minha vida. Amo este caminhão e vou voltar a andar longas distâncias. Deixa só eu me ajeitar – garantiu ao volante.

- Em casa, em meio aos gatos e cães que divide com Saleti, Nahyra não perdeu o hábito de dormir menos de seis horas diárias. Depois de tantos anos descansando em postos de gasolina, ela acostumou-se a fechar os olhos só depois das 2h da madrugada. Durante o dia, passa as horas olhando pela janela a grande paixão estacionada na rua. As marcas das viagens estão por toda parte, de fotos em cidades turísticas, como o Rio de Janeiro, a bibelôs para a família ou recebidos das concessionárias onde comprava os veículos. Uma placa de caminhão identificada com o próprio nome é o presente mais recente que ganhou de uma fábrica de borrachas para a qual fez transporte durante anos.

- Na estante da sala, Nahyra mantém uma coleção de miniaturas de carretas dirigidas por ela ao longo da vida. Sentada na cadeira favorita, costuma segurar aquele que lembra o caminhão mais recente. O suspiro vem profundo e os olhos azuis marejam. Cuidadosamente, ajeita o caminhãozinho sobre a perna esquerda, alisa a cabine e começa a fazer movimentos com ele para frente e para trás, imitando o andar do veículo. Em silêncio, fixa o olhar no deslizar do brinquedo. É como se voltasse às estradas empoeiradas e à montanha-russa de emoções vivida em milhares de quilômetros de solidão.

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Histórias: Thomson Road Steamer no Brasil - 2ª Parte

*** Todo o texto e todas as imagens dessa postagem são de autoria do sr. Jonildo da Silva Bacelar, e vieram da página www.cidade-salvador.com/urbanismo/road-steamers.htm

O Thomson road steamer no Brasil

O Brasil importou pelo menos cinco ou seis desses veículos, em 1871. Um ou dois em Salvador, dois no Ceará e dois em Belém do Pará. O de Salvador foi o primeiro e a estreia foi registrada no Diário de Notícias, Rio de Janeiro, de 4 de maio de 1871, com o seguinte texto:

 “Em diversas ruas da Bahia foi experimentada pela primeira vez uma das locomotivas que teem de puxar os wagons do systema «Thompson road steamer», que pretende introduzir na capital o dr. Francisco Antonio Pereira Rocha. A experiencia parece ter dado resultados satisfactorios.”

O automóvel, importado pelo jurista baiano Francisco Antonio Pereira Rocha, chegou, em Salvador, no final de abril de 1871, no vapor inglês Tycho Brahe, como indicado em reportagem do Correio da Bahia, na época. Veio acompanhado do jovem mecânico escocês George Johnston (1855-1945), que se tornou posteriormente um dos mais importantes engenheiros britânicos, responsável, por exemplo, pelo projeto e construção do Mo-Car, em 1895, o primeiro automóvel com motor de combustão interna, construído na Escócia. 

De acordo com as notícias da época e referências posteriores, tudo indica que foi o próprio Rocha que dirigiu o veículo nos primeiros testes nas ruas da Cidade, tornando-se assim, o primeiro motorista do Brasil. Segundo Sacramento Blake (1827-1903), por exemplo, Rocha fez diversas evoluções com sua locomotiva, em 12 de maio de 1871 (o primeiro teste foi cerca de 3 de maio). 

A razão da importação do veículo era comercial. O Decreto Imperial N.4588, de 31 de agosto de 1870, concedeu o privilégio, por 15 anos, a Francisco Antonio Pereira Rocha para a introdução, na Província da Bahia, das máquinas de tração, veículos de transporte e arados do sistema de R. W. Thompson's Patent Road Steamers (escreve-se Thomson, sem p). Tratava-se da concessão de um novo sistema de transporte no Brasil. O Thomson road steamer era escocês e estreou, em Paris, no início daquele ano.

O pioneirismo da Bahia é atestado pela Revista Agrícola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, publicada em junho de 1871 (N.8). Os editores da revista vinham acompanhando o desenvolvimento desse tipo de veículo, no exterior, desde 1870, conforme reportagem na edição de abril (N.3) com o título Charruas a Vapor. A mesma revista relata a experiência feita com arados movidos pela máquina Thomson, realizada na Barra, em 11 de junho de 1871, e escreve: "Foi satisfactoria a experiencia. A introducção desse efficaz melhoramento da industria agricola no Brasil é urgentissima" e complementa: "Meio poderoso de substituir os braços na lavoura dos campos, esse melhoramento deve ser aceito na época em que se trata no Brasil de abolir a escravatura nacional". Em carta ao Diário da Bahia, Rocha relata que fez a primeira experiência com o arado em 11 de maio. 

É provável que Pereira Rocha tenha conhecido as invenções de Thomson muito antes da aquisição de seu ônibus a vapor. Thomson também patenteou o princípio da pena d'água para a venda de água em chafarizes, em 1849, e apresentou seu invento na Grande Exposição de Londres, de 1851. O Doutor Rocha, como era conhecido, viajou à Europa, em meados dos anos 1850, para a aquisição dos chafarizes do Sistema do Queimado, que também vendia água pelo sistema de penas d'água. Um dos chafarizes adquiridos, o da Praça do Comércio, também foi exibido na mesma Exposição de Londres. 

O reverendo J.F.C. Schneider, da Igreja Presbiteriana da Bahia, em seu relatório publicado no The Foreign Missionary of the Presbyterian Church (Nova York, agosto de 1871), relatou que um certo Sur. Rocha foi à Inglaterra para um dos "Thompson's Patent Road Steamers". Testou o veículo com grande sucesso, incluindo a subida de uma ladeira íngreme, com grande facilidade. Schneider observou que o veículo estava destinado ao transporte regular de mercadorias e de passageiros entre um ponto perto do centro da Cidade Alta até uma das extremidades da Cidade. Possivelmente, o Rio Vermelho, pois Manoel Querino (1851-1923) relatou que o veículo fez uma excursão àquele bairro.

O automóvel que chegou, em Salvador, era provavelmente de um modelo igual ou parecido com o que estreou em Edimburgo, com o omnibus New Favorite (ilustração no topo da página). Atende à descrição de Querino, que informou que o veículo possuía uma quinta roda, na frente, exclusivamente destinada à direção do veículo. Note, na primeira ilustração, que o triciclo de tração e o ônibus eram bem integrados e, de certa forma, eram um único veículo, como se o conjunto estivesse sobre o mesmo chassi. Isso era necessário para evitar balanços no ônibus sobre apenas duas rodas.

Através de Querino, que conhecia Rocha, temos interessantes relatos sobre esse veículo, no capítulo O Automobilismo de seu livro A Bahia de Outrora (1916). Querino relatou que o veículo foi popularmente apelidado de "borracha do Rocha" e que fechou-se apostas contra a subida da Ladeira da Conceição da Praia. Mas o veículos subiu a Ladeira e percorreu diversas ruas sem o menor acidente. O carro também participou do desfile de Dois de Julho de 1871, armado em transporte de guerra. 

Querino continuou escrevendo que os baianos improvisaram uma quadra, colocando, em desafio, o auto e o elevador hidráulico: Havemos de ver dos dois O que aperta ou afroxa: Do Lacerda o "parafuso", Ou a borracha do Rocha. Sabemos que borracha e parafusos apertam e afrouxam, mas, para entender o desafio, é preciso conhecer o contexto dos transportes urbanos da Cidade, na época.

Desde o século 16, existiram guindastes para transportar cargas entre as partes baixa e alta da Cidade. As pessoas subiam ladeira andando, em montarias ou carregadas em liteiras. Em 1859, o Imperador Dom Pedro II preferiu subir andando a Ladeira da Conceição da Praia, acompanhado da Imperatriz. Salvador foi uma das primeiras cidades do Brasil a dispor de transporte coletivo. Em meados do século 19, circulavam as gôndolas, de tração animal, que depois passaram a circular sobre trilhos e que se tornaram os bondes. No final dos anos 1860, também existiram pequenas locomotivas urbanas que atendiam aos subúrbios e que alguns autores chamam de maxambombas, mas não parece que esse nome foi usado em Salvador.

Em 1870, uma das empresas de transporte urbano pertencia aos irmãos Lacerda, que possuíam linhas na Cidade Baixa e na Cidade Alta. Em 1869, começaram a construir o audacioso Elevador (atual Elevador Lacerda), um sistema de pioneirismo mundial, na época, para ligar as linhas de transporte das partes baixa e alta, concluído em 1873. O automóvel do Rocha podia subir a Ladeira da Conceição da Praia, interligando os dois andares da Cidade. Seria, assim, esse o sentido da quadra referida por Querino.

Na Bahia houve um segundo projeto para um sistema Thomson road steamer previsto para Alagoinhas, conforme indica o Relatório de 17 de outubro de 1871, do 4º vice-presidente da Província da Bahia (presidente interino), Francisco José da Rocha, que faz uma concessão a José Ferreira de Menezes a fim de estabelecer uma ou mais linhas de transporte a vapor, pelo sistema Thomson. O jornal A Reforma, do Rio de Janeiro, de 24 de novembro de 1871, com referência ao Diário da Bahia, escreveu "O Sr. Dr. Francisco Antonio Pereira Rocha destina as machinas Thomson à estrada de Alagoinhas. Na época, Alagoinha já era atendida por uma ferrovia que partia de Salvador e sua construção continuou para Sergipe e Juazeiro. Não se tem notícia de que os Thomson road steamers chegaram lá.

Note o caso do plural "as machinas Thomson" referido pelo Diário da Bahia. Seriam provavelmente duas, pois não se pode assumir um serviço regular de transporte com apenas uma máquina. Também, o texto do Diário de Notícias de 4 de maio de 1871 (mais acima) dá a entender que seriam mais de uma. 

Querino informa que o automóvel do Rocha foi levado depois para o Rio Grande do Sul. Rocha, junto com Feliciano Joaquim de Bormann, tinha um contrato com o governo daquela Província para a construção de uma estrada, segundo a lei provincial n. 774 de 4 de maio de 1871. A estrada funcionaria com o sistema Thomson road steamer, ligando a freguesia de Santo Amaro à vila de Santa Maria. Rocha recebeu isenção de impostos para importar equipamentos da Europa. O contrato foi também publicado no Correio da Bahia, de 13 de junho de 1872. 

Entretanto, não se tem notícia do que aconteceu com o automóvel do Rocha, depois que ele partiu para o Rio Grande do Sul, mas o advogado baiano estava em Salvador, poucos anos depois, como candidato à Câmara Municipal. Os Thomson road steamers também funcionaram em Belém do Pará. Em setembro de 1871, eles inauguraram um trajeto entre o "Ver-o-peso e o pitoresco arrabalde de S. João", com dois carros com "cento e tantos passageiros", como publicado no jornal O Liberal do Pará, de 26 de setembro de 1871. No dia 28 seguinte, o jornal informava que o sistema funcionava com regularidade.

No Ceará, também funcionaram dois veículos do sistema Thomson, como informou o cônsul dos Estados Unidos, em Pernambuco, em relatório datado de 28 de outubro de 1871, publicado no Commercial Relations of the United States with Foreign Countries, de 1872. Uma notícia do Correio Paulistano, de 5 de setembro de 1871, sobre o Ceará, informou que o Sr. Morgan fez experiência no dia 5 do corrente (agosto) com a machina Thompson aplicada-a ao transporte de pedras para calçamento e obteve um resultado magnífico. A concessão para o sistema Thomson do Ceará foi datada sete dias antes da concessão para a Bahia, pelo Decreto Imperial N.4580, de 24 de agosto de 1870. Foi requerida pelos engenheiros Paulo José de Oliveira e Joaquim Pires Carneiro Monteiro. Essa concessão valia também para as províncias de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. O requerimento data de 14 de maio de 1870 e recebeu parecer favorável de uma comissão do Instituto Polytechnico Brasileiro, do Rio de Janeiro. 

Os primeiros projetos para uso do Thomson road steamer, no Brasil, foram feitos provavelmente no primeiro semestre de 1870, incluindo os casos da Bahia e do Ceará. Talvez após a estreia do sistema em Paris, que, na época, era a cidade de maior prestígio no mundo. Outro projeto para uso do sistema Thomson, ou similar, foi feito pelo engenheiro francês José Gaune, para o Maranhão, ligando Caxias a São José das Cajazeiras, como indicado no Diccionario Historico-Geographico da Provincia do Maranhão, de César Augusto Marques, publicado em 1870. O projeto de Gaune chegou a ser aprovado por lei provincial de 14 de julho de 1870. 

Em outubro do mesmo ano, o engenheiro inglês Edmund Compton foi contratado para estudar o traçado da estrada para um sistema Thomson road steamer. Mas não se tem notícia de que os road steamers tenham chegado ao Maranhão. Em 29 de agosto de 1872, o jornal A Nação, do Rio de Janeiro, noticiou que B. Caymari e Augusto Fomm receberam o privilégio para empregar as machinas de Thompson na serra de Petrópolis e na montanha da Tijuca.

Nos casos do Maranhão e do Rio Grande do Sul, os documentos e textos da época demonstram que os Thomson road steamers, seriam usados para interligar localidades, como uma opção de baixo custo, em lugar das ferrovias, por falta de recursos. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o vice-presidente da Província recusou uma solicitação do Major João Coelho Barreto para uma linha de comunicação por meio das máquinas Thomson, entre S. Leopoldo e Novo Mundo, alegando o estado financeiro da Província (de acordo com o Relatório do vice-presidente, de 12 de setembro de 1871), embora a linha tivesse sido aprovada pela Lei n. 775 de 24 de maio de 1870.

Referências ao Thomson road steamer, no Brasil, foram encontradas apenas entre 1870, quando surgiram as primeiras licenças e projetos, até 1873. Nenhuma delas atribuiu o nome maxambomba ao veículo.

Este era o Thomson road steamer, na versão ônibus, composto por uma máquina de tração a vapor e o omnibus "New Favorite", para o transporte de passageiros. As cinco rodas eram revestidas de borracha sólida. Este foi o ônibus de Thomson que estreou, em Edimburgo, ligando o centro da cidade ao distrito de Leith, em ilustração publicada no jornal britânico The Graphic, de 11 de junho de 1870. O jornal destacou as rodas de borracha e observou que o veículo podia subir ladeiras íngremes. Eram grandes avanços para a época. O ônibus double-decker tinha capacidade para transportar 64 passageiros: 20 confortavelmente no compartimento de baixo e 44 na parte de cima.

Embaixo, um modelo do Thomson road steamer, com teto no veículo de tração (modelo Chenab), projetado para uso na Índia, em 1870, com a participação do engenheiro inglês Rookes Evelyn Bell Crompton. Usava madeira, como combustível, em lugar de carvão. O primeiro Chenab foi construído, sob licença, em Ipswich, Inglaterra, em maio de 1871.

O Thomson road steamer para o transporte de carga, com vagões de carvão, em março de 1870.

Não foi esse. Alguns autores indicam esse conjunto, acima, como sendo o veículo do Rocha. Não foi. Querino relatou que o automóvel que chegou em Salvador tinha cinco rodas, uma na frente para direção, mas esse acima tem oito. Note que o veículo de tração é do mesmo modelo fabricado em Thetford, um vilarejo de Norfolk (ilustração anterior acima). O veículo do Rocha era mais compacto, do mesmo modelo ou muito similar ao que estreou em Edimburgo (primeira figura no topo da página). Todo o conjunto do veículo do Rocha estava provavelmente sobre o mesmo chassi, o que era necessário para dar estabilidade ao ônibus sobre apenas duas rodas, não sendo, assim, um reboque, como o da figura acima.

Este é um trecho da Cidade do Salvador, em 1873, ano da inauguração do "Parafuso" (Elevador Lacerda). A Ladeira da Conceição da Praia foi construída, em 1549, por Thomé de Souza, a primeira conexão entre as partes baixa e alta da Cidade planejada pelo decano dos arquitetos do Brasil: Luiz Dias. Alguns anos depois foi construída a Ladeira da Montanha, de inclinação mais suave. Por volta de 3 de maio de 1871, o carro do Rocha tornou-se o primeiro automóvel urbano a rodar com sucesso no Brasil e ele, o primeiro motorista. O carro subiu a Ladeira da Conceição da Praia, fez manobra no Largo do Theatro (atual Praça Castro Alves), subiu a Rua Direita do Palácio (atual Rua Chile) e chegou, com sucesso, na Praça do Palácio (atual Praça Thomé de Souza), a mesma que dá acesso ao Elevador.

Histórias: Thomson Road Steamer no Brasil - 1ª Parte

*** Todo o texto e todas as imagens dessa postagem são de autoria do sr. Jonildo da Silva Bacelar, e vieram da página www.cidade-salvador.com/urbanismo/road-steamers.htm

História dos Thomson Road Steamers
* Por Jonildo Bacelar, em 2015.

Este Artigo, publicado originalmente em março de 2015, no antigo site Buscatematica.net do Guia Geográfico, apresenta pela primeira vez ilustrações e características reais do primeiro automóvel a rodar no Brasil. Antes, a literatura especializada quase nada adicionou aos folclóricos relatos de Manoel Querino (1851-1923) sobre esse veículo pioneiro no Brasil.

R. W. Thomson concebeu e construiu os primeiros veículos Thomson Road Steamer. É também considerado o inventor do pneu de borracha.

Os Thomson road steamers foram os primeiros veículos de autopropulsão a rodarem com indiscutível sucesso em vias públicas urbanas. O Brasil importou pelo menos cinco ou seis desses veículos. O primeiro estreou em Salvador, por volta de 3 de maio de 1871. Era um veículo como o do modelo da ilustração ao lado ou similar. Foi adquirido pelo empresário e renomado jurista baiano Francisco Antonio Pereira Rocha, um dos empresários do Sistema do Queimado, o pioneiro sistema de água encanada no Brasil, inaugurado em 1856. Outros Thomson road steamers rodaram no Ceará e em Belém do Pará. Usavam rodas com borracha, uma tecnologia inovadora, na época.

O desenvolvimento do Thomson road steamer

Os road steamers (máquinas a vapor para as ruas, em tradução livre) eram veículos voltados para o transporte urbano, enquanto as carruagens a vapor e as locomotivas sobre trilhos eram mais usadas para viagens entre localidades. Existiam desde a primeira metade do século 19, mas tinham problemas para subir ladeiras e suas rodas, com o grande peso do veículo, danificavam as ruas e trepidavam muito. Variações desses veículos deram origem aos ônibus modernos.

O inventor escocês Robert William Thomson (1822-1873) foi responsável por importantes contribuições em engenharia. Ele é, por exemplo, o inventor do pneu de borracha. Sua patente n. 10990 para o aerial wheel, como chamado por Thomson, data de 10 de dezembro de 1845, décadas antes da reinvenção de John Dunlop.

Em de 1867, Thomson patenteou seu processo de revestimento de rodas com tiras de borracha sólida vulcanizada. Projetou um eficiente motor a vapor de 6 hp, que foi fabricado pela empresa T.M. Tennant & Co., localizada em Leith, um distrito de Edimburgo, na Escócia. Em novembro de 1867, Thomson montou seu primeiro road steamer, em sua própria oficina, também em Leith. As rodas eram revestidas com tiras de borracha sólida de 5 polegadas de espessura e 12 polegadas de largura. 

Thomson fez testes com os equipamentos e passou a fabricar outros a partir de meados de 1868 até 1870, quando seus road steamers passaram a ser fabricados, sob licença, pela T.M. Tennant & Co, que já fabricava os motores a vapor projetados por Thomson. 

Em 1868, reportagens sobre o veículo de Thomson saíram no Scientific American (7 de outubro), The Engineer, e outras publicações, sempre com avaliações altamente positivas. O jornal The Scotsman (22 de agosto) escreveu: 

"There can be no doubt this invention of the application of vulcanized india-rubber to the tires of road steamers forms the greatest step which has ever been made in the use of steam on common roads. It completely removes the two fatal difficulties which have hitherto barred the way to the use of traction engines, viz.: the mutual destruction of the traction engine and the roads. "

O road steamer de Thomson foi avaliado pelo professor Archer (The Engineer, 4 de setembro de 1868). Ele observou que, a primeira vista, achava que a borracha não era adequada para o peso do veículo. Constatou incrédulo, depois, que o veículo passava por cima de todo tipo de material sem qualquer dano à borracha e sem trepidação. Tratava-se de um teste em Leith, na Escócia, onde os veículos de Thomson foram fabricados até a época. Archer estimou o peso do road steamer em cerca de 4 ou 5 toneladas e ficou impressionado com o que viu. Continuou relatando que o road steamer acoplou um reboque com mais de 10 toneladas e subiu uma ladeira, com inclinação de 1 por 20, sem dificuldade. Archer notou que o veículo usava uma econômica caldeira vertical, parecida externamente com outras da época, mas completamente diferente, na parte interna, que a tornava bem mais eficiente. Em outro teste o road steamer puxou vagões carregados com carvão, com peso total do conjunto de mais de 40 toneladas, num percurso entre duas localidades, sem dificuldade. Archer concluiu que o veículo superou todas as suas expectativas, adicionando que as rodas com borracha não patinavam nem mesmo no gelo. 

O Departamento de Guerra Britânico reuniu, relatórios de 1869 a 1870, que examinaram o Mr. Thomson's "Road Steamer" para uso militar. Em um deles, de 8 de abril de 1870, o autor relata que, depois de ter investigado completamente esse road steamer, de ter visto ele puxar cargas consideradas impossíveis e de tê-lo testado sob condições das mais desvantajosas, concluiu que o problema de tração a vapor em ruas comuns estava completamente resolvido.

Por volta de 1870, o Thomson road steamer era vendido com duas opções de máquina a vapor. Uma com 8hp e outra com 12hp. O conjunto de cinco rodas, com a máquina de tração e o omnibus, desenvolvia velocidades entre 16 e 19 km/h (um homem normal corre a uma velocidade por volta de 30 km/h e anda a cerca de 5 km/h). O modelo Ravee, do Thomson road steamer, chegou a uma velocidade de 40 km/h, em um teste feito em 1871. Quando usados para o transporte de carga, eram mais lentos. 

O Thomson road steamer chegou, em Paris, no início de 1870, como indicado no The New York Coach-maker's Magazine, de março de 1870. Acoplava o Versailles omnibus, para 50 passageiros. Essa pequena locomotiva de tração a vapor, com rodas revestidas de borracha, foi uma grande inovação. A borracha aumentava o atrito com o solo, evitando deslizamentos, reduzia o barulho e a trepidação. Praticamente não eram afetadas por elementos ambientais como calor, umidade ou frio. 

Em agosto de 1869, Thomson demonstrou que sua máquina também podia ser usada como um trator para arar a terra. Em 1870, foi comercializado um modelo que acoplava um conjunto de oito pesados arados.

Entre 1870 e 1873, a demanda para o Thomson road steamer foi grande e a fábrica de Leith não conseguiu dar conta. Em 1870 e 1871, Thomson forneceu licenças para a fabricação de seu road steamer por outras empresas da Inglaterra e dos Estados Unidos.

O veículo de tração tinha nomes como Derwent, Chenab, Ravee, Enterprise, Advance e outros, de acordo com o fabricante e a versão. O ônibus teve nomes como New Favorite e Versailles. Uma fábrica licenciada, em Norfolk, Inglaterra, equipou seus Thomson road steamers com tradicionais caldeiras horizontais, para desgosto de Thomson, e com quatro rodas, em lugar de apenas três.

Douw D. Williamson foi o licenciado nos EUA. Cerca de 50 unidades do veículo foram fabricadas em Nova Jersey e na California. Muitos foram usados como arado, mas não tiveram grande sucesso em tal aplicação. 

Foi exportado para alguns países, como França, Itália, Índia, Sri Lanka, Turquia, Grécia, Rússia, Austrália, Canadá, Indonésia (Java), Estados Unidos e Brasil. Por volta de 1872, surgiram notícias de que a durabilidade das tiras de borracha era limitada e que os custos de reposição eram elevados. Mas a borracha veio para ficar e passou a ser usada também por outros fabricantes de veículos.

O inventor Robert William Thomson estava doente desde os anos 1860 e faleceu em 8 de março de 1873. Seus Thomson road steamer, modelos Ravee e Chenab, rodaram na Índia até por volta de 1880. Alguns ainda estavam em uso, em Edimburgo, nos anos 1920.

Aqui, o Thomson road steamer (Advance) construído, sob licença, em 1870, para uso militar, pela Robey and Co., de Lincoln, Inglaterra. Era uma máquina maior, com rodas de 6 pés de diâmetro e uma de 4 pés, na frente, para direção.

Aqui, a máquina de Thomson fabricada nos Estados Unidos, em 1871, mais usada no trabalho rural, principalmente como arado. Era eficiente para arar a terra seca, mas as tiras de borracha tinham problemas na terra fofa molhada.

Este é um road steamer, fabricado pela Charles Burrell and Sons, em Norfolk, Inglaterra, sob licença de Thomson, em 1871, mas bastante modificado. Tinha duas rodas na frente (em lugar de apenas uma), interligadas por um pequeno eixo. Usava as tradicionais caldeiras horizontais, em lugar da vertical, projetada por Thomson.

Acima, uma ilustração (The Engineer) da máquina Thomson road steamer, fabricada em 1868. Em modelos posteriores, as tiras de borracha das rodas receberam uma proteção de corrente, como detalhada na ilustração, à direita, que mostra o esquema de uma das rodas revestida de borracha e sua seção transversal. A estrutura básica da roda era de ferro fundido, com dois discos de ferro forjado e barras de ferro em diagonal. A borracha era esticada quando colocada nas guias, permitindo melhor aderência. Depois era colocada uma armadura de corrente para impedir deslizamentos. Essa configuração sofreu variações depois.

Fotos Antigas: O primeio carro a vapor no Brasil

- Encontrei na internet a foto abaixo, mas o que mais me chamou a atenção foi a descrição e a história por trás da imagem. Tanto que me levou a procurar e encontrar um artigo maravilhoso sobre a vinda dessas máquinas para o nosso país.

- As informações sobre a foto foram inicialmente enviadas pelo sr. Paulo Grani para a página Antigamente em Curitiba, no Facebook. Lembrando que a imagem pode não ser exatamente do Thomson Road Steamer que circulou em Salvador.


O PRIMEIRO CARRO A VAPOR NO BRASIL

"Em maio de 1871, a cidade de Salvador, na Bahia, recebia o primeiro carro brasileiro que se movia, sem depender de tração humana ou animal. Foi importado da Europa pelo Doutor Francisco Antonio Pereira Rocha. O veículo era escocês, um "Thomson Road Steamer", o primeiro carro a usar rodas com borracha no Brasil. Rocha também tornou-se o primeiro motorista do Brasil."

- Na minha opinião particular esses vapores eram um misto de carro, caminhão, trator, máquina, e  ainda estes Thomson faziam papel de transporte de passageiros! Incrível a diversidade e pioneirismo de máquinas que tivemos no Brasil, mas que infelizmente não resistiram a nossa mentalidade de não preservação.

terça-feira, 30 de abril de 2019

Fotos Antigas: Revenda Deutz em Catanduva - SP


- Duas belíssimas imagens que retirei do arquivo da empresa Theodoro Becker Comercial Ltda, da cidade paulista de Catanduva. Hoje eles são posto autorizado Bosch Service mas na época das fotos eram revendedores dos tratores e motores diesel Deutz.

- Na primeira imagem acima o proprietário da empresa Theodoro Becker com seu filho e um dos tratores Deutz que eram oferecidos aos agricultores da região. Interessante a placa da empresa Otto Deutz Legítimo, Motores - Tratores - Serviços - Vendas.

- Na foto abaixo, os srs. Francisco, Theodoro e José Becker junto ao diretor da Deutz da Alemanha durante a doação do trator Deutz F2M com rodas de ferro para o recinto de exposições da cidade. Lembrando que esse ato já apareceu aqui no blog nessa outra postagem: www.tratoresantigos.blogspot.com/2016/09/fotos-antigas-o-deutz-de-catanduva-sp.html


- As fotos e informações retirei da página da empresa no Facebook www.facebook.com/theodorobeckercatanduva